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Notas de testemunho e recalque :uma experiência musical dos traumas sociais brasileiros em Chico Buarque e Paulinho da Viola (de meados da década de 1960 a meados da década de 1970).
Tipo de documento:
Tese de Doutorado
Autor:
Manoel Dourado Bastos
Orientador:
Carlos Eduardo Jordão Machado
Local:
UNESP - Assis
Data:
2009
Publicação - Livros / Artigos
Palavras-chave:
Décadas de 1960 e 1970; Ditadura Militar; MPB; Chico Buarque; Paulinho da Viola
Resumo:
Texto em formato digital: http://www.sapientia.pucsp.br/
O presente trabalho organiza uma interpretação histórica da obra de dois importantes nomes da experiência musical brasileira: a saber, Chico Buarque de Hollanda e Paulinho da Viola. O procedimento crítico adotado organiza uma periodização das obras dos cancionistas particulares, reconhecidos num “contexto de obras” mais geral. A partir disso, empreende-se a compreensão do sentido histórico destas obras frente ao contexto de época.
Tendo em vista a definição de tal contexto, recorreu-se à crítica da “noção de MPB” (Música Popular Brasileira), chegando-se à conclusão de que esta noção é uma impostura conceitual. Por isso, fez-se necessária a avaliação de referenciais críticos que tratassem da dinâmica histórica da experiência musical brasileira. Para efeitos de análise, trabalhou-se com a avaliação do projeto musical de Mário de Andrade, reconhecendo a bossa nova como um desdobramento contraditório da “utopia do som nacional” do modernista. Em seguida, a fim de consolidar conceitos e categorias sobre a experiência musical brasileira, levando em consideração o pressuposto da análise histórica materialista calcada nas mediações estéticas, organizou-se a interpretação dos métodos críticos de José Ramos Tinhorão e José Miguel Wisnik. Aí, reconheceu-se não apenas o reforço de certo referencial teórico metodológico, mas a ressonância de problemas cuja cristalização inicial está na própria experiência musical estudada. De posse das categorias críticas anteriormente consolidadas, apresenta-se os primeiros anos das obras de Chico Buarque e Paulinho da Viola como um período de maturação de antinomias estéticas que sedimentam em forma de linguagem cancional elementos objetivos da estrutura social e política brasileira. Estas antinomias, que se referem inicialmente ao contexto imediato do golpe e da ditadura civil-militar, mostram também as ligações temporais de mais longa duração da contingência política das décadas de 1960 e 1970. O início da carreira de Paulinho da Viola mostra-se intimamente ligada com o quadro de reavaliação da cultura popular pelos grupos de esquerda direta ou indiretamente ligados ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), como o CPCUNE (Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes). Entre 1965, ano de sua primeira participação em um LP (a gravação do musical Rosa de Ouro), e 1970 (ano de gravação de Foi um rio que passou em minha vida), a obra de Paulinho da Viola apresenta-se progressivamente enredada numa dificuldade cancional, que se pode reconhecer como o conflito entre uma exuberância orquestral operada pelos arranjos e a estrutura popular do samba que lhe fundamentava as composições. Esta dificuldade, sedimentada na contradição entre forma e expressão cancionais, será superada nos dois discos gravados em 1971 (ambos levam o nome do cancionista), momento em que a obra de Paulinho da Viola alcança a autonomia do material cancional pelo viés de uma organização popular do problema, sem com isso deixar de ser moderna. Na obra de Chico Buarque, por sua vez, apresenta-se em operação uma antinomia estética calcada na conduta cancional baseada na modernidade musical bossanovista e o conteúdo cancional fincado nas desigualdades sociais nacionais, organizando um “princípio de estilização” cujo cerne é a comiseração do foco cancional progressista diante das iniqüidades apresentadas. Esta antinomia é superada com o disco Construção (também de 1971), quando o foco cancional moderno deixa de comentar de maneira distanciada o conteúdo das canções e passa a compreendê-lo num quadro mais amplo, em que a própria matéria social passa a proporcionar uma visada crítica. A partir daí, a obra de ambos os cancionistas apresenta uma normalização dos ganhos estéticos alcançados em 1971, com altos e baixos que mostram a situação das “forças populares” diante do quadro político e social cujo epifenômeno era a ditadura civil-militar – neste processo, a obra de Chico Buarque sofre mais com a contingência da censura, ocasionando um processo de descontinuidade mais acentuada, enquanto Paulinho da Viola fixa-se em discos mais coesos e coerentes entre si. O início da década de 1980 marca um esgotamento de forma e expressão cancionais destes dois autores, com maior fôlego e qualidade em Chico Buarque (cujos discos do início da década servem como reavaliação do processo de maturação, normalização e esgotamento), enquanto Paulinho da Viola apresenta discos mais desiguais, com altos e baixos muito significativos. A ascensão e queda das “forças populares” que animaram as obras dos dois cancionistas em escopo no período que vai de meados da década de
1960 até meados da década de 1970 já não respondia mais nos mesmos termos à objetividade sócio-histórica.
Destes percursos cancionais, reconhecendo o sentido complexo e não-linear das obras como um todo e das canções em particular, podemos tirar uma imagem dos traumas sociais brasileiros e das formas de enfrentá-los.