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A identidade anti-fascista no cancioneiro da Guerra Civil Espanhola.
Tipo de documento:
Tese de Doutorado
Autor:
Rafael Rosa Hagemeyer
Orientador:
Silvia Regina Ferraz Petersen
Local:
UFRGS
Data:
2004
Publicação - Livros / Artigos
Palavras-chave:
1936-1939; Guerra Cilvil Espanhol; Cancioneiro; Anti-fascismo; Espanha
Resumo:
O tema da identidade antifascista na Guerra Civil Espanhola através do seu cancioneiro nos auxilia a compreender a natureza da identidade política cambiante do sujeito diante dos processos revolucionários, bem como a origem e o significado da simbologia empregada pelas esquerdas. Ele nos ensina que a exibição exterior dos símbolos em períodos de violência política não implica uma aceitação íntima da identidade assumida publicamente, sendo muitas vezes apenas um invólucro útil para associar-se ao poder dominante e receber benefícios por isso. Em nossa perspectiva, consideramos que as canções publicadas por militantes amadores em folhetos volantes eram tão reveladoras da identidade antifascista quanto os hinos revolucionários mais difundidos ou as canções criadas por autores célebres como Bertolt Brecht e Federico García Lorca. Nesse sentido, buscamos contemplar os diferentes níveis de produção cultural envolvidos com a propaganda antifascista, relacionados com as estratégias de definição de identidade e alteridade, bem como a forma como estas se inseriam no debate estético do período. Entretanto, para o leitor brasileiro é difícil traduzir as dores distantes do povo da Espanha. Essas dores, embora não tenham sido devidamente ouvidas em nosso país, não são menos verdadeiras ou relevantes que as nossas. São ecos das nossas próprias dores, dos nossos próprios dilemas, que são os dilemas humanos. Enfim, são também parte da nossa história, a história de toda humanidade na busca da felicidade e do conhecimento de si mesma. Compreender as canções antifascistas que compuseram o extenso repertório da Guerra Civil Espanhola exigiu refazer seu percurso. Sua produção acompanha a rota da imigração espanhola e italiana na América Latina, absorve as tradições revolucionárias francesas e russas, é organizada e incrementada pelos comunistas alemães, recebendo também as tradições operárias inglesas e norte-americanas. No último capítulo, optamos por traduzir em português o título das canções, o sentido dos versos citados, procurando na medida do possível respeitar seu ritmo melódico. Em razão disso, às vezes sacrificamos um pouco da precisão semântica para procurar dar ao leitor brasileiro, mais do que o sentido, o sabor dessas canções. As relações entre a canção e a identidade, ideologias políticas e o imaginário estão estabelecidas no nosso primeiro capítulo, cujo objetivo é articular nossas referências teóricas e analíticas com a problemática desenvolvida. Buscamos apontar de que maneira as ideologias políticas se relacionam com o imaginário, através da propaganda política, incluindo aí as canções. A elaboração dos processos identitários se desenvolve a partir das referências existentes num dado imaginário social, que se conforma como um campo de disputa. Procuramos ainda estabelecer o conceito de canção, a forma como ela se articula no imaginário e as referências sobre a constituição do imaginário político espanhol. No segundo capítulo, analisamos a Marselhesa como paradigma de hino revolucionário, o significado de sua difusão na Espanha e os hinos da República Espanhola, desde o período da proclamação até o final da Guerra Civil. Selecionamos os mais representativos, levando em consideração a obrigatoriedade de sua execução em manifestações públicas e cerimônias oficiais. Os elementos estruturais de cada um desses hinos, bem como sua origem e difusão, foram analisados de forma integrada, permitindo observar como o poder republicano instaurado no contexto da Guerra Civil procurou assimilar diferentes tradições políticas. No terceiro capítulo, dedicado ao debate estético no interior do movimento operário, entre marxistas e anarquistas, nosso objetivo foi examinar a produção e difusão das canções, inspiradas em estilos herdados do romantismo e do realismo, enfocando também o resgate do folclore, as perspectivas abertas pelas vanguardas estéticas e a nova música popular veiculada pelo rádio. Também buscamos mapear a produção dos autores e editores dessas canções, suas fontes de inspiração e a forma como sua atividade refletia uma preocupação ideológica, ou era apropriada como tal. No quarto capítulo, procuramos analisar a articulação da identidade e da alteridade no conjunto das canções, através do posicionamento do ?eu poético? do cantor em relação ao público, bem como das referências a heróis, símbolos e figuras de linguagem que permitem decodificar os recursos poéticos mais recorrentes, e portanto de maior apelo propagandístico, e suas implicações políticas. A caracterização dos inimigos também é variada, embora o esforço de construção identitária imponha sua unificação sob o rótulo de fascista. Por outro lado, observamos ainda que no cancioneiro das Brigadas Internacionais havia, entre os voluntários antifascistas vindos de várias partes do mundo, grande variedade de ênfase, pois cada um compreendia o anti-fascismo de maneira bastante particular. Entretanto, as canções nos revelaram também os limites da simbologia na construção das identidades, denunciando a existência de pessoas que se mantiveram pragmaticamente distantes do envolvimento emocional com a guerra, negociando a cada momento com o poder dominante, tal como o morcego da fábula, que nas guerras entre aves e mamíferos conseguia convencer um e outro grupo de seu pertencimento e identidade com eles.