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O som e o soberano: uma história da depressão musical carioca pós-Abdicação (1831-1843) e de seus antecedentes.

Tipo de documento:
Tese de Doutorado

Autor:
Lino de Almeida Cardoso

Orientador:
István Jancsó

Local:
USP - FFLCH

Data:
2006

Publicação - Livros / Artigos

Palavras-chave:
Segunda metade do Século XIX ;Pós-abdicação D. Pedro I; Música erudita; Sociedade de corte; Rio de Janeiro

Resumo:
Tese em formato digital:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-16072007-110842/

Entre os anos de 1808 e 1831, a cidade do Rio de Janeiro tornou-se um dos mais fecundos centros operísticos das Américas. Não o fora por acaso. Na primeira década do século XIX, o Teatro de São Carlos, de Lisboa, ainda era tido na Europa como a melhor ópera italiana além dos limites da Itália, e todo o fino cultivo do drama cantado italiano, desenvolvido desde o reinado de Dom João V, se transferiu, em parte, para a então capital do Estado do Brasil, quando a família real portuguesa e membros de sua corte ali se instalaram. Além de importantes autores e executantes europeus, o Rio passou a dispor, em poucos anos, de uma grande casa de ópera, comparada às melhores do Antigo Continente, e nesses pouco mais de vinte anos, cerca de quarenta títulos de óperas diferentes foram ali estreadas, fora as centenas de repetições. Além de ópera, podia-se também ouvir, no Rio desse mesmo período, excelente música sacra na Capela Real, depois Imperial. Para Manuel de Araújo Porto Alegre, esse gênero, "que encantava os estrangeiros em Roma, era executado com a mesma perfeição, durante a Semana Santa, no Rio de Janeiro", elogio, diga-se de passagem, endossado pela maior parte dos europeus que tiveram a oportunidade de ouvir tal conjunto musical, como Debret, Freycinet, Graham, Caldcleugh. Tal cultivo excelente da música sacra devia-se, em parte, à existência, ali, de exímios músicos nativos, como José Maurício Nunes Garcia e Pedro Teixeira de Seixas, mas, também, graças ao esforço de Dom João em fazer vir de Portugal, desde a sua chegada, muitos dos músicos que formaram, durante o reinado de Dona Maria I, "a primeira Capela da Europa, superior inclusive à do Vaticano", como testemunhou o viajante inglês William Beckford, em 1787. Por outro lado, entre setembro de 1831 e janeiro de 1844, surpreende notar que nenhum espetáculo de ópera completa tenha sido estreado ou sequer encenado no Rio de Janeiro. Como se não bastasse, cerca de dois meses após a abdicação de Dom Pedro I, o governo regencial fez cumprir, com extremo rigor, o orçamento imperial de 1831-1832, praticamente extinguindo a orquestra da Capela Imperial e reduzindo o número de músicos, que chegou a cerca de setenta na época de Dom Pedro I, a menos de trinta integrantes. A reorganização dessa orquestra somente iria ocorrer em maio de 1843, já em pleno segundo reinado. Nenhuma dúvida paira quanto ao fato de que essa depressão musical repentina e ao mesmo tempo duradoura dos anos 1831-1843 tenha uma íntima relação com o interregno de 1831-1840. Porém, nenhum estudo histórico ou musicológico foi realizado até hoje buscando, em meio a eventos de diversas naturezas - social, política e econômica -, estabelecer, com precisão, que fatores mais teriam contribuído para esse fulminante declínio da ópera e da música sacra na capital do Império, em 1831. Igualmente, jamais se explicou por que razão tantos anos, incluindo-se alguns já do segundo reinado, foram necessários para que o Rio de Janeiro voltasse a ter uma atividade musical similar à que tinha antes da partida de Dom Pedro I. Diante disso, procuraremos - acompanhando os moldes de alguns importantes estudos internacionais, os quais, paulatinamente, têm contribuído para a edificação de uma história mais geral da música - abrir não apenas um amplo leque de causas diretas dessa derrocada, como demonstrar que essa parte mais importante da atividade musical no Rio de Janeiro - a produção de te-déuns e óperas - esteve, até então - e desde muito antes do que se imaginava, ainda nos tempos dos Governadores e Vice-Reis -, assim como em Lisboa e em outras capitais européias, intimamente ligada ao simbolismo da figura do soberano, ao status do artifício maravilhoso e sagrado do poder real. E, daí, propor que a fundamental causa da decadência dos dois mais importantes organismos musicais do Rio de Janeiro durante os anos 1831-1843 tenha sido o concomitante enfraquecimento, após a partida de Dom Pedro I, dessa antiga expressão simbólica da monarquia, um ritual de manutenção de um poder real que se efetivava na atividade social de corte, prática recuperada, em parte, entre 1840 e 1841, com a Maioridade e a Coroação, e, cabalmente, em 1843, com o imperial consórcio.