Almirante, “a mais alta patente do rádio”
Durante pouco mais de 20 anos (1935-1958), Henrique Foreis Domingues, o Almirante, foi presença permanente e destacada na radiofonia nacional, sobretudo a carioca. Seus programas estavam centrados principalmente em temas e aspectos da música popular, e tornaram-se marcos na história da radiofonia e da música. Os assuntos apresentados eram estudados e pesquisados com cuidado. Os roteiros eram meticulosamente escritos e seguidos com o máximo rigor pelos narradores, técnicos e músicos. Quando podiam, ensaiavam, procurando minimizar os erros e desacertos, comuns nos programas transmitidos ao vivo. Toda essa preocupação resultava em programas muito bem organizados, numa época em que a radiodifusão ainda se caracterizava pelo evidente “amadorismo”. Por todo esse esforço de modernização, ele recebeu o apelido de “a mais alta patente do rádio”!
Esses programas foram também importantes depositários da memória da música popular, além de divulgá-la nacionalmente pelas ondas do rádio. E colaboraram de modo significativo para criar uma certa narrativa histórica sobre a música popular, além de reunir um incrível acervo. Neste banco de dados o leitor poderá entrar em contato com vários programas das séries Curiosidades Musicais, Instantâneos Sonoros, Aquarelas do Brasil, No tempo de Noel Rosa, Carnaval Antigo, Pessoal da Velha Guarda. Na seção Texto e áudio você encontrará artigos, capítulos e livros que analisam e discutem esses programas e a trajetória de Almirante
Banco de Dados
Almirante
Pessoal da Velha Guarda
Esta série era uma homenagem aos músicos e à música popular brasileira. Produzida por Almirante em parceria com o maestro Pixinguinha, O Pessoal da Velha Guarda apresentava os números musicais na íntegra e ao vivo, contando com a participação de outros renomados músicos, como Benedito Lacerda. Conforme introduzia o locutor, era uma série que trazia “músicas do Brasil de ontem e de hoje em arranjos especiais de Pixinguinha para a orquestra exclusiva do Pessoal da Velha Guarda”. Nela figuravam “polcas, schottish, valsas, modinhas, choros, enfim, as músicas tradicionais das serenatas (…) tocadas também por um legítimo grupo de chorões (…) e entoadas por autênticos seresteiros”. Permaneceu no ar de 1947 a 1952, na Rádio Tupi.
Entre uma apresentação e outra, Almirante contava as histórias de determinadas músicas, procurando chamar a atenção através do programa para a “beleza de nossas coisas”, combatendo “tudo que de ruim existe nas composições populares, desde a pobreza de inspiração musical, até os versos inexpressivos e de má linguagem”. A “maior patente do rádio” aí já desponta como elaborador de um discurso a respeito da música popular brasileira e de sua História.
ÁUDIOS TRANSCRIÇÃO DOS PROGRAMAS
Curiosidades Musicais
Curiosidades Musicais foi a estreia de Almirante como produtor no rádio. Foi criado como um quadro do antológico Programa Casé, em 1934, e tornou-se seu primeiro programa na Rádio Transmissora, no ano seguinte. Em 1938, passou a ser transmitido pela Rádio Nacional, em rede, o que garantiu a Almirante uma maior colaboração de seus ouvintes, de várias partes do Brasil. Ainda na Rádio Nacional, em 1940, foi realizada a terceira série do programa, que permaneceu no ar até 1941.
A série trazia pela primeira vez ao grande público páginas do folclore e dos costumes brasileiros desconhecidas até então – a não ser por especialistas –, com uma mostra farta de manifestações da cultura popular, reunindo músicas, práticas, crenças, festas e narrativas de costumes. O programa, que ia ao ar às segundas-feiras no horário nobre das 21h, tratou em seus aproximados cinco anos de existência de diversos temas folclóricos, como a “Evolução do Carnaval”, “O Bumba-meu-boi”, “Cantigas de Reisados e Pastoris”, “As Congadas” e os “Famosos Desafios do Norte”.
Instantâneos Sonoros
Com relação ao seu conteúdo, esta série pode ser considerada herdeira de Curiosidades Musicais. No entanto, seu formato, mais ágil para caber em aproximados 15 minutos, distingue-se notavelmente da série anterior. Os programas duravam em média 12 minutos cada, e deveriam totalizar um quarto de hora se somados aos anúncios publicitários, que não foram registrados nas gravações.
Para realiza-la, a equipe cresceu, contando com coprodução e roteiro de José Mauro, narração de Celso Guimarães e direção musical de Radamés Gnattali, que cuidava da integração entre os quadros musicais e a narrativa. Apesar de sua curta existência (ficou no ar apenas por alguns meses, em 1940), Instantâneos Sonoros foi importante por se tratar da primeira série a explorar todo o potencial da Orquestra da Rádio Nacional, regida por Radamés Gnattali.
Programas A Seca do Nordeste e Cantigas de Cego
Programas O mar e A Lenda do Chico Rey
Programas Engenhos, Boiadeiros e Os Negros
Programas Os garimpeiros e Quilombos
Programas Padre Cícero e As Congadas
Programas Velórios e A Festa da Penha
Programas Pregões do Brasil e As Escolas de Samba
Programas Frevos e Maracatus e Assombrações
Aquarelas do Brasil
A série é, como se enuncia em sua abertura, um “quadro sonoro sobre costumes, tradições, festas e cantigas populares do Brasil (…) em arranjos altamente descritivos”. Idealizada e concebida por Almirante, Aquarelas do Brasil ia ao ar às sextas-feiras, às 21h30, e foi a primeira de uma trilogia produzida por José Mauro, Haroldo Barbosa e Radamés Gnattali, complementada pelos programas Aquarelas das Américas e Aquarelas do Mundo (1946-1947). Foi ao ar entre 1945 e 1946, com narração de Mário Brazini. Era direcionada aos “ouvintes de todo o Brasil e da América”, dado que na época as ondas da Rádio Nacional já possuíam alcance internacional.
Aquarelas era uma espécie de “documentário sonoro”, feito para ser “visto” com os ouvidos, no qual se intercalavam aspectos “cinematográficos” e informativos, típico dos moldes da “rádio-aula”. Ela combinava duas preocupações: o caráter documental, que buscava uma reprodução fiel dos acontecimentos, e o caráter patrimonial, pois defendia que essas manifestações deviam ser registradas antes que se perdessem.
Programas
Carnaval Antigo
A série em quatro episódios, transmitida pela Rádio Tupi em 1946, faz a retrospectiva dos carnavais entre 1900 e aquele ano. Precedia um “monumental concurso carnavalesco” promovido pelas emissoras associadas de Chateaubriand, com patrocínio do inseticida Flit. O modo pelo qual existe este documento é bastante curioso: a série foi gravada por um ouvinte de Almirante em sua casa, com um gravador doméstico acoplado a um aparelho rádio-receptor, utilizando para a fixação do som uma chapa de raios-X usada.
Era comum que as emissoras fizessem especiais de Carnaval naquela época. Mas Almirante empreendeu um esforço inédito em contar a história do tríduo através do rádio, usando como fontes músicas, relatos de cronistas e material da imprensa jornalística. Mais tarde, pela Rádio Record (São Paulo), o radialista levaria ao ar a série Histórias do Nosso Carnaval, na qual fazia uma cronologia da festa em São Paulo e no Rio de Janeiro, dos tempos coloniais a 1952, data em que a série foi ao ar.
Retrospectiva dos principais sucessos de carnaval – 1900 até 1910
Zé Pereira – Ó abre alas – Que bela rosa – Lá se foi o Aquidaban – Vem cá mulata – Pega na chaleira – As filhas da Jardineira – Primavera
Retrospectiva dos principais sucessos de carnaval – 1911 até 1920
Dengo-dengo – Cabocla de Caxangá – Pierrot e Colombina – Minha Caraboo – O meu boi morreu – Pelo telefone – Quem são eles? – A baratinha – O matuto – Confessa meu bem – Fala meu louro – Quem vem atrás fecha a porta
Retrospectiva dos principais sucessos de carnaval – 1921 até 1930
Ai amor – Alivia esses olhos – Segura o boi (De boca em boca) – Essa nega qué me dá – Me sinto mal – Sai da raia – Macaco olha teu rabo – Tatu subiu no pau – Pai Adão – Não sei dizê – O fubá – Já, já – O casaco da mulata – Miserê
Retrospectiva dos principais sucessos de carnaval – 1931 até 1946
Batucada – Eu vou pra Vila – Com que roupa – Lataria – Mulata – Teu cabelo não nega – É batucada – Até amanhã – Ai, heim! – Formosa – Trem blindado – Linda morena – Alô John – Linda lourinha – Ridi Palhaço – Agora é cinza – Bicho papão – Criança, toma juizo – Foi ela – Deixa a lua sossegada – Jóia falsa – Salada portuguesa
No tempo de Noel Rosa
A série biográfica de Noel por Almirante foi ao ar na Rádio Tupi em 1951, tendo a duração de quatro meses. Anos mais tarde, ela seria base para seu livro homônimo (1ª edição de 1963) que, assim como a série, não trataria isoladamente da vida do “filósofo do samba”, mas de vários eventos que remontam a toda uma geração da música popular brasileira.
Almirante trouxe, ao longo de 22 episódios, depoimentos daqueles que conheceram Noel e narrativas de sua própria memória, além de boa parte da obra do compositor, com a participação de Aracy de Almeida, Orquestra Tupi sob regência do maestro Carioca, e Hélio Rosa, irmão de Noel. Explicou também a origem de certas músicas e apresentou obras inéditas do poeta da Vila.
Áudios Ficha Técnica
No tempo de Noel Rosa
A série biográfica de Noel por Almirante foi ao ar na Rádio Tupi em 1951, tendo a duração de quatro meses. Anos mais tarde, ela seria base para seu livro homônimo (1ª edição de 1963) que, assim como a série, não trataria isoladamente da vida do “filósofo do samba”, mas de vários eventos que remontam a toda uma geração da música popular brasileira.
Almirante trouxe, ao longo de 22 episódios, depoimentos daqueles que conheceram Noel e narrativas de sua própria memória, além de boa parte da obra do compositor, com a participação de Aracy de Almeida, Orquestra Tupi sob regência do maestro Carioca, e Hélio Rosa, irmão de Noel. Explicou também a origem de certas músicas e apresentou obras inéditas do poeta da Vila.
Áudios Ficha Técnica
Incrível, Fantástico, Extraordinário
Irradiada às terças-feiras às 21h30, pela Rádio Tupi do Rio de Janeiro, a série se dedicava ao relato de histórias fantásticas enviadas pelos ouvintes. Em 1951 elas seriam reunidas e publicadas numa coletânea homônima, pelas edições O Cruzeiro. Por mais incríveis, fantásticas e extraordinárias que fossem as histórias, Almirante pedia aos ouvintes que fossem fiéis à verdade ao endereçar alguma à produção, solicitando a maior acuidade possível de dados destes colaboradores.
Os casos, que chegavam de todo o Brasil, eram roteirizados por José Mauro, na maioria das edições, por César de Barros Barreto, e narrados por Almirante, com a participação de rádio-atores e arranjos especiais da Orquestra Tupi, regida por Aldo Taranto. Os efeitos sonoros ficavam a cargo sobretudo de Mauro, e também contavam com a orquestração do maestro da casa.
Na ausência das imagens, o rádio deveria aproveitar todas as possibilidades de construção de uma narrativa convincente a partir dos sons, revelando-se um meio bastante criativo neste aspecto. Nesta série, estes recursos dramatúrgicos são muito bem aproveitados. Tanto que, quando o programa semanal Fantástico, da Rede Globo de Televisão, tentou reconstituir esta série na década de 1980, ela não impactou os espectadores da mesma forma que conseguira no rádio, onde permaneceu por onze anos, entre as idas e vindas de Almirante à emissora.